sábado, maio 31, 2025
- Espaço para anúncios -spot_img

A tragédia invisibilizada na República Democrática do Congo e o novo colonialismo

Mais Notícias

​​​​​Quando eclodiu o conflito entre Rússia e Ucrânia a rede de televisão inglesa BBC transmitiu, ao vivo, uma entrevista com um ex-procurador Ucraniano que fez um apelo “emocional” por apoio da comunidade europeia justificando que “povos europeus de olhos azuis e cabelos loiros estavam sendo mortos diariamente”. Também ao vivo, um correspondente da rede CBS declarou que a guerra na Ucrânia é bem diferente de uma guerra no Afeganistão ou na Palestina, pois, o que está acontecendo é a morte de europeus brancos, em plena Europa. Essas e outras foram ditas sem o menor constrangimento, sem o menor pudor ou disfarce mundo afora, desde a deflagração da guerra entre russos e ucranianos, enquanto se emudecem quanto às tragédias humanitárias que vêm acontecendo no continente africano.

​Manifestações como essas encerram em si não apenas o sentimento de uma superioridade étnica, mas a certeza de que há povos indignos de quaisquer considerações, de empatia, de importância. É o que vem acontecendo em relação à catástrofe humanitária na República Democrática do Congo (RDA) que já provocou o deslocamento forçado de mais de 2 milhões de pessoas, seguida de fome, doença, estupros – inclusive de crianças -, além dos milhares de civis mortos, e, ainda assim, vem sendo mantida na invisibilidade programática e conveniente da imprensa ocidental. Isso decorre em razão do racismo e da indiferença associada à percepção de que o continente africano sempre foi e será o cenário de infindáveis conflitos tribais, sendo em vão o desperdício de recursos em um ambiente de recrudescidas convulsões políticas e sociais. A verdade não é bem assim.

​O passado de violentas explorações colonialistas continua bem presente no continente e, especificamente, sobre a questão da RDA, há um “futuro repetindo o passado”. Não foi por acaso a revolta da população congolesa ao atacar as embaixadas de países historicamente colonizadores como a Bélgica, França, Estados Unidos e Brasil. Êpa!, eu disse Brasil? Como assim? Quando o Brasil colonizou algum país africano? Bem, por força do Tratado do Rio de Janeiro, de 1827, o exclave de Cabinda (território angolano, entre República do Congo e República Democrática do Congo) foi o único território brasileiro fora da América do Sul, e, dizem, esse fato pôs fim ao tráfico de escravos no reino de Angoio.

​A atual tragédia humanitária na RDC, evidentemente, possui todas as impressões digitais do racismo e do nefasto colonialismo predatório dos mesmos antigos genocidas. Como consequência do pandemônio criado pelos colonizadores, ocorreu, em 1994, o genocídio de Ruanda, tendo os hutus massacrado os tutsis. Deste último grupo étnico, os que conseguiram sobreviver, refugiaram-se na RDC, em sua maioria na região de Goma. Agora Ruanda alega que “seu povo” está sofrendo perseguição e xenofobia por parte do povo congolês com apoio do governo do Congo e, sob o pretexto de protegê-lo, financia, treina e arma o grupo rebelde congolês M23 (Movimento 23 de Março), de modo a desestabilizar o governo da RDC. Mas, será mesmo que se trata de uma ação por “questão humanitária” fruto do elevado senso de altruísmo de Ruanda, apesar do profundo caos no qual mergulha o povo da RDC? Recentemente, o Reino Unido firmou acordo com Ruanda para que este último recebesse todos os imigrantes negros deportados, independentemente da nacionalidade. Sim, ainda há quem conceitua o continente africano como sendo simplesmente, África, um único “país”. No ano passado, a União Europeia assinou acordo comercial, também com Ruanda, para o fornecimento de tântalo, ouro, cobalto. Ruanda não produz esses minerais. Mas a RDC, sim, em abundância.

​O sentimento de indiferença, de não-pertencimento, faz com que o ocidente coletivo tenha a tragédia humana dos povos africanos como invisível e irrelevante, por “não serem loiros, nem terem os olhos azuis”. Todavia, a cobiça e o colonialismo predatório permanecem ávidos e as riquezas naturais dos povos africanos, estas sim, importam muito.

Manoel L. Bezerra Rocha – advogado e colunista do Dia1

- Espaço para Anúncios -spot_img

Outras Notícias

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

- Espaço para Anúncio -spot_img

Artigos Relacionados