Um culpado inesperado pode estar por trás da doença de Alzheimer: a periodontite crônica, uma infecção gengival comum. Estudos recentes apontam que a bactéria Porphyromonas gingivalis, principal causadora dessa condição, foi encontrada nos cérebros de pacientes falecidos com Alzheimer, reacendendo o debate sobre as origens da doença neurodegenerativa mais prevalente do mundo.
Pesquisadores, como os da empresa Cortexyme, publicaram em 2019 na Science Advances uma descoberta intrigante: em autópsias, 96% das amostras cerebrais de vítimas de Alzheimer continham enzimas tóxicas (gingipains) dessa bactéria. Em experimentos com camundongos, a infecção oral por P. gingivalis não só colonizou o cérebro como também desencadeou a produção de beta-amiloide – proteína associada às placas características da doença. Mais impressionante: essas enzimas apareceram em cérebros de pessoas com alterações pré-Alzheimer, mas sem sintomas de demência, sugerindo que o processo pode começar décadas antes.
Essa hipótese desafia a visão tradicional de que o Alzheimer é apenas um distúrbio neurodegenerativo, propondo uma origem infecciosa ligada à saúde bucal. “Estamos vendo evidências de que a bactéria invade o cérebro e catalisa a patologia típica do Alzheimer”, diz Stephen Dominy, coautor do estudo. Outra pesquisa, publicada em 2024 no Journal of Infectious Diseases, reforça que a inflamação cerebral induzida por P. gingivalis em camundongos imita os biomarcadores da doença.
O impacto pode ir além da teoria. A Cortexyme desenvolveu o COR388 (atuzaginstat), um composto que, em testes com animais, reduziu a infecção bacteriana e o acúmulo de beta-amiloide, além de aliviar a neuroinflamação. O ensaio clínico GAIN, iniciado em 2020, está avaliando sua eficácia em humanos, mas os resultados ainda são aguardados. Enquanto isso, a descoberta já inspira esperança: com nenhum novo tratamento para demência aprovado em mais de 15 anos, explorar causas alternativas é urgente.
Os cientistas permanecem cautelosos. “É uma pista promissora, mas não a resposta definitiva”, alerta Kwang-Hyun Cho, pesquisador do KAIST, que estuda terapias reversíveis contra o câncer, mas reconhece paralelos na pesquisa de Alzheimer. A ligação entre doença gengival e cérebro destaca uma lição prática: higiene oral pode ser mais que estética. Escovar os dentes, usar fio dental e visitar o dentista regularmente podem se tornar aliados na proteção cerebral a longo prazo. Enquanto mais estudos são conduzidos, a mensagem é clara: cuidar da boca pode ser um passo simples para preservar a mente.