A manifestação realizada no último domingo, 16 de março, na orla de Copacabana, voltou a colocar em evidência a disputa de narrativas sobre o tamanho dos atos políticos no Brasil. Convocado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em defesa da anistia para os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro de 2023, o evento gerou controvérsias quanto ao número de participantes, com estimativas que variam drasticamente entre 18.300 e 400 mil pessoas, dependendo da fonte.
De um lado, a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) afirmou que o ato reuniu “mais de 400 mil pessoas”. A estimativa, divulgada em nota oficial, foi baseada em observações do 19º BPM (Copacabana), com apoio do Comando de Operações Especiais (COE), mas sem detalhamento sobre a metodologia empregada. A cifra elevada foi rapidamente celebrada por aliados de Bolsonaro, que viram no número uma demonstração de força política do ex-presidente, mesmo após sua inelegibilidade determinada pela Justiça Eleitoral até 2030.
Por outro lado, o Monitor do Debate Político no Meio Digital, ligado à Universidade de São Paulo (USP), apresentou um cálculo bem mais modesto: 18.300 participantes, com uma margem de erro de aproximadamente 2.200 pessoas para mais ou para menos. Os pesquisadores utilizaram o método “Point to Point Network (P2PNet)”, uma tecnologia de inteligência artificial que analisa imagens aéreas captadas por drones para contar indivíduos de forma precisa. Segundo a USP, o sistema possui uma precisão de 72,9% e um erro médio de 12% em contagens de multidões com mais de 500 pessoas, o que reforça a credibilidade técnica da estimativa.
A discrepância de mais de 2.000% entre os números reacendeu debates sobre a confiabilidade das informações divulgadas por instituições públicas e grupos acadêmicos. Críticos da PMERJ, incluindo opositores do governador Cláudio Castro (PL), aliado de Bolsonaro, acusaram a corporação de inflar os dados por motivações políticas. “Com que respaldo técnico a Polícia Militar pode afirmar que havia 400 mil pessoas? “Isso é desespero”, questionou um comentário amplamente compartilhado nas redes sociais. Já apoiadores do ex-presidente defenderam a estimativa da PM, alegando que a USP, frequentemente associada a setores progressistas, teria subestimado intencionalmente a adesão ao ato.
O evento em si transcorreu sem incidentes graves, reunindo figuras como Bolsonaro, os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Cláudio Castro (RJ) e Jorginho Mello (SC), além do pastor Silas Malafaia, um dos organizadores. A pauta central foi a defesa da anistia aos condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 2023, mas o foco rapidamente se deslocou para a guerra de números. Enquanto Bolsonaro chegou a mencionar a expectativa de 1 milhão de participantes antes do ato, aliados recalibraram o discurso, evitando projeções oficiais após o evento.
Especialistas consultados apontam que divergências em estimativas de público não são novidade em atos políticos no Brasil, mas a magnitude da diferença neste caso chama atenção. “A PM tradicionalmente faz contagens visuais, que podem ser influenciadas por fatores subjetivos ou políticos. Já a USP usa uma abordagem científica, mas limitada ao pico do evento, o que pode não refletir o total de pessoas que passaram pelo local”, explica um analista de dados que preferiu não se identificar.
A polêmica expõe, mais uma vez, a polarização que marca o cenário político brasileiro. Enquanto os números seguem em disputa, a manifestação de 16 de março já se consolida como um novo capítulo na batalha por narrativas entre apoiadores e críticos de Jair Bolsonaro, com reflexos que devem ecoar até as próximas movimentações eleitorais.